Éramos gêmeos Éramos gêmeos… Nós quatro éramos gêmeos idênticos. Não, não. Eu tenho de me explicar primeiro, entende? Calma. Vou começar de novo. Estou disposto a explicar pra você o que nos levou a caminhos tão opostos. Na verdade, o motivo foi o mesmo. Éramos gêmeos… Nós quatro éramos gêmeos idênticos: os mesmos olhos pretos e enormes, a pele negra, a alta estatura, o físico perfeito e, até mesmo, a inteligência aguçada… Os homens perfeitos. O resultado de uma evolução que levaria milênios para ser concluída foi condensado e então: éramos nós, os quatro homens perfeitos. Éramos o resultado de uma experiência que eu nunca procurei saber quem articulou ou qualquer coisa do gênero. Ressentia-me, sabe? Saber que você não passa, apesar de tudo, de uma cobaia lhe deixa frustrado, triste… “Orgulhe-se!” Era o que mais ouvíamos. Éramos geneticamente, fisicamente perfeitos, tínhamos de nos orgulhar. No entanto, estar ciente de que, se não fosse por um merda de cientista ter uma merda de idéia brilhante… que… que se não fosse por isso eu não estaria aqui, punha-me frustrado, triste…Entende? Acho que estar cônscio de que é uma cobaia não fazia muito bem ao Zeb e ao Leiriel também ( não sei que efeito causava em Nostros, mas ouso afirmar que nenhum). Éramos gêmeos, gêmeos idênticos e… Eu já falei isso, não? O que é que eu estava falando mesmo?! Ah, sim! O cientista… Pois, então, o cientista… ele…ele… Éramos quatro, gêmeos, éramos perfeitos; e o Zeb chorava toda noite. Chorava baixinho pra gente não ouvir, mas eu ouvia. Ele chorava, chorava sem parar. Quando mais velho, com 15 anos, eu ouvia ele chorar e resmungar que não queria ser perfeito, eu ouvia… “Orgulhem-se!” Éramos prefeitos, homens perfeitos, cobaias perfeitas… Zeb não queria ser perfeito, não queria ser cobaia… Zeb não queria ser Zeb perfeito ou perfeito Zeb. Zeb não queria. Na primeira manhã fora do Centro de Pesquisa, onde crescemos, Zeb resolveu não ser mais cobaia, Zeb não era mais perfeito, Zeb era corpo rígido e esverdeado, olhos arregalados. Zeb era estômago entupido de veneno. Zeb de cobaia se transformou em cobaia-imperfeita-verde. Leiriel, quando viu o corpo verde, atestou que já imaginava. Leiriel também chorava, não sempre, mas chorava. Ele também não queria ser perfeito, então fingia fadiga nos testes de resistência, não se masturbava para o exame de espermograma, errava os exercícios de matemática aplicada, bolinava as funcionárias e também os funcionários. Fazia-se de imperfeito. E então, quando saímos do Centro para exibir nossa perfeição, ele mostrou-se imperfeito física e moralmente. Leiriel está sempre sendo notícia de jornal, com seus roubos e assassinatos espalhafatosos, orgulhosamente assumidos por ele. Muitos jornalistas e cientistas de diversas áreas proclamam que, apesar de tudo, a experiência teve um excelente êxito. Para confirmar isso, basta observar as nossas _ minha e de Nostros _ contribuições ao país, à sociedade. Nostros como presidente do país, como você já sabe, e eu como escritor de fama internacional. Éramos quatro, éramos gêmeos, éramos cobaias (somos cobaias), somos ( éramos) perfeitos. Escrevo para me refugiar nos personagens (quase sempre branquelos, frágeis, baixinhos, feios, burros…), porque estar ciente de ser apenas uma cobaia me põe triste, frustrado… Éramos quatro, gêmeos idênticos e perfeitos, cobaias perfeitas, cobaias. Nostros só conseguiu sobreviver a si mesmo porque não se via como cobaia; pois é isso que mata os homens, cobaias perfeitas: o saber ser cobaia. Está vendo aquela mulher na outra sala me observando? É a enfermeira que o Centro mandou, porque já sabem que sou louco. Sim, louco… Ela está vindo pra cá… Porém, sabia que ontem foi a festa de lançamento do livro de Nostros. Ficção científica, o personagem principal é um anão… Éramos (ou somos?) perfeitos. Às vezes quero me tornar um estômago entupido de veneno e envolto por um corpo verde, às vezes me seguro para não seguir Leiriel. Sabe, eu sou um escritor perfeito, uma perfeita cobaia e… A enfermeira vem vindo. Acho que percebeu a minha agitação… Sim, sim! Somos perfeitos homens e no Centro só há perfeitos idiotas! “Orgulhem-se!” O presidente também é escritor… O pessoal do Centro deve ter pensado que evolução é sinônimo de progresso. Sou uma perfeita cobaia e eles uns perfeitos idiotas. E lá vem a enfermeira com o calmante...
Obs.:Redação de aluno vestibulando da unicamp-2003, que obteve nota 10 da banca corretora mais tradicional e ''crí-crí'', das universitadades do brasil!
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